terça-feira, 8 de outubro de 2024

Camas improvisadas, falta de banheiros e presença de morcegos: os alojamentos de trabalhadores resgatados em fazenda de Leonardo


Cantor Leonardo é incluído pelo governo na 'lista suja' do trabalho escravo após fiscalização do MTE em Goiás — Foto: Montagem/g1



O cantor Leonardo foi incluído na "lista suja" do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), divulgada na segunda-feira (7), após uma fiscalização resgatar seis trabalhadores em condições de trabalho semelhantes à escravidão em uma fazenda em Jussara, noroeste de Goiás. No relatório, ao qual o g1 teve acesso, fiscais descreveram os alojamentos onde os funcionários dormiam como “precários”, sem banheiros e com camas improvisadas, além de infestação de morcegos e fezes.


A fiscalização ocorreu em duas fazendas: a Lakanka e a Talismã, que é avaliada em R$ 60 milhões. A segunda é citada porque, apesar de os trabalhadores resgatados estarem na Fazenda Lakanka, as duas ficam em área contígua e fazem parte do mesmo conjunto de operações agrícolas.


O cantor e sua defesa dizem que o caso se refere a uma parte da Fazenda Lakanka, que está arrendada para outra pessoa para o plantio de soja e que, portanto, os funcionários dessa área não são de responsabilidade direta de Leonardo. Dizem também que o cantor não tinha conhecimento das práticas de trabalho escravo.


O g1 não encontrou o arrendatário da Fazenda Lakanka para se manifestar sobre o caso até a última atualização da reportagem.


Fiscalização


A ação fiscal aconteceu em novembro de 2023. Foram identificados 18 trabalhadores, mas somente seis estavam em condições análogas à escravidão, incluindo um adolescente de 17 anos.



Os trabalhadores catavam raízes na Fazenda Lakanka, que, de fato, está arrendada para outra pessoa, que não Leonardo. Mas o relatório explica que todos os trabalhadores prestavam serviço para Leonardo, mesmo que de forma indireta e, por isso, ele foi responsabilizado.


Os seis funcionários resgatados dormiam em uma casa abandonada, localizada a 2 km da sede da Fazenda Lakanka. Segundo os fiscais, local era feito de alvenaria, coberto com telhas de barro sobre uma estrutura de madeira e forro de PVC. Mas estava sem manutenção e com telhas deslocadas, permitindo a passagem de água de chuva, que, em algumas ocasiões, molhou pertences dos trabalhadores.


Segundo o documento, o dormitório foi improvisado pelos empregados, que usaram tábuas de madeira encontradas jogadas pelos arredores para usarem como suporte para os colchões.


“Os empregados fizeram uso de objetos abandonados que encontraram para improvisar tarimbas, como tábuas de madeira, portas velhas, galões de agrotóxicos, tijolos e tocos e colocaram sobre estas colchões velhos, pedaços de espuma e cobertores que trouxeram”, destaca o documento.

Fiscais afirmam que, no momento da inspeção, dois trabalhadores irmãos dormiam juntos num colchão de casal colocado em cima de uma tábua improvisada. Em outras três tarimbas improvisadas, dormiam outros três empregados. Em uma rede adquirida com recursos próprios, outro trabalhador dormia, segundo o relatório.


A equipe de fiscalização verificou que existia uma infestação de morcegos, com fezes dos animais em todos os cômodos, além da existência de muitas formigas no local e histórico de presença de outros animais, como cobras e escorpiões. Inclusive, no dia da inspeção, havia uma cobra morta perto do alojamento.


Foto: Reprodução/Relatório Fotográfico da Inspeção



 
 

Foto: Reprodução/Relatório Fotográfico da Inspeção



Sem banheiro e chuveiro



O alojamento tinha, originalmente, um banheiro, mas ele estava totalmente inoperante, sem água e com indícios de abandono, havendo fezes de morcegos acumuladas e insetos. Por isso, os empregados usavam árvores próximas para fazerem xixi e cocô, sendo encontrado grande acúmulo de papel higiênico, além de fezes concentradas em dois locais, abaixo de uma árvore nos fundos da casa e na área de bambuzal, um pouco mais longe da casa abandonada.


Como não havia chuveiros ou qualquer local para tomar banho, os empregados improvisaram uma mangueira preta amarrada à estrutura de madeira, a qual foi ligada a uma bomba de água submersível dentro de um poço, com acionamento por um disjuntor fora de caixa e com fuga de corrente.


Segundo o relatório, os empregados explicaram que tomavam choques ao acionarem o disjuntor após o banho para desligar a bomba, quando ainda estavam molhados. Como não havia local para lavar as roupas, já que o único acesso à água no alojamento era esta mangueira preta, os empregados, além de se banhar no local, também lavavam suas roupas ali.


Banheiro estragado, sem água, encontrado na Fazenda Lakanka, de Leonardo, em Goiás — Foto: Reprodução/Relatório Fotográfico da Inspeção


Sem água potável


A única água disponível era essa captada no poço. Ocorre que o poço estava também desprovido de qualquer manutenção, segundo os fiscais, com uma tampa quebrada, que permitia a entrada de animais, como roedores e aves, que poderiam se afogar e ficar apodrecendo no interior, gerando contaminação da água.


Para não passarem sede, os empregados se deslocavam até a sede da Fazenda Lakanka, situada a aproximadamente 2km de distância do alojamento, munidos de garrafas de água emprestadas pelo arrendatário daquela fazenda.


Segundo o relatório, o deslocamento era feito a pé, no trator ou no veículo de um dos empregados, quando havia gasolina neste, onde enchiam as quatro garrafas térmicas de que dispunham com capacidade de cinco litros cada.


Na sede da Fazenda Lakanka, em cômodo do barracão onde funcionava uma oficina, havia um bebedouro refrigerado com três torneiras, onde os empregados enchiam as garrafas. Destaca-se que esta água também não recebia tratamento.


Os outros 12 trabalhadores


Os outros 12 trabalhadores estavam em atividades diversas, como preparo do solo para o plantio de soja e manutenção de cercas.


Segundo o documento, apesar de também trabalharem de maneira informal, sem registro e direitos trabalhistas garantidos, as condições de vida e trabalho deles não foram consideradas tão degradantes a ponto de configurar uma situação de trabalho análogo ao de escravo.



Por Larissa Feitosa, g1 Goiás